Quando há um amor que (também) dói: o próprio.

Jun 27, 2025Aconselhamento, Amor, Amor próprio, Bem-estar, Merecimento, Psicologia, Relacionamentos, Saúde Mental0 comments

Merecimento, amor, relacionamentos, amor-próprio

É na relação com o outro que existimos e damos sentido à nossa existência. E também é na mesma relação dialética que adoecemos e que nos curamos. Ao longo da vida, é o outro quem planta em nós sementes de amor ou desamor, de elogio ou de critica, de segurança ou insegurança… mas somos nós que podemos e devemos escolher quais são as sementes que vamos regar, conscientes de que o caminho mais fácil e próximo desse crescimento (como se de algum tipo de fertilizante se tratasse) será o do solo que nos for mais familiar, e não aquele que nos levará onde merecemos estar.

Desde o início dos tempos que vemos o amor e o desamor expresso na arte: a forma mais simbólica de externalizar aquilo que nos é mais visceral e profundo. Perdemos a conta aos poemas, às canções e às obras de arte que nasceram do sentir de quem ama, foi amado, perdeu o amor ou não se sentiu amado. E ficamos, muitas vezes, em silêncio, porque o amor também assim o exige. A maioria de nós sabe o quanto, por vezes, o amor dói e nos rasga em partes que acreditamos mesmo que nunca mais se vão ligar. Até a vida nos relembrar, na forma de um novo abraço ou de outro sentir, que o amor que dói é o mesmo que volta a pôr tudo no lugar; sobretudo o sentido de sermos e existirmos, de como nos sentimos capazes de amar o outro e de nos amarmos.

O amor próprio. Poucos são os que falam do quanto dói, por vezes, o amor que temos (ou queremos ter) por nós. Ensinam-nos que é egoísmo, que parece narcisismo, que é coisa de ego… E onde é que construímos o sentido de ser? A verdade é que a falta de amor próprio vai tendo os seus efeitos secundários em suaves prestações, como quem vem de mansinho e se instala para ficar… e decidir quem fica. Nem sempre nos damos conta; a maioria das vezes, isto acontece num lugar tão profundo daquilo que somos e sentimos que não chegamos a saber. E sentir e saber estão, muitas vezes, em níveis de consciência muito diferentes.

Não se trata de sorte ou azar; é escolha. Inconsciente e implícita, por vezes, mas é escolha. Escolhemos o que nos é familiar, sobretudo quando o que é familiar está mesmo aqui: por dentro. E reforçamos padrões, repetimos, repetimos, repetimos. Enquanto não houver consciência, repetimos. E continuamos a reforçar e a questionar… e a repetir, repetir, repetir… Enquanto não percebermos que a forma como escolhemos ser amados depende do sentido de merecimento de o ser. Há algumas semanas, a minha terapeuta dizia-me “amar muito nem sempre é amar bem”. Fiquei naquele pensamento e tornei-o guia. É que, na verdade, é quando amamos muito, mas não sabemos amar bem, que o amor pode doer… e não chegar. E o mesmo é válido para o amor que recebemos; amarem-nos muito nem sempre significa amarem-nos bem. “Amar o outro como a ti mesmo”, diziam nos ensinamentos do suposto correto (independentemente da fé que nos move)… Mas, e quando não se ama a si mesmo?

O amor próprio dói porque exige fazer o caminho ao contrário, como quem anda de trás para a frente. Exige escolha consciente, exige ir contra o que construímos dentro de nós (por vezes durante uma vida inteira!), exige largar e deixar ir… Com medo, mesmo quando o coração nos grita para voltar atrás só mais uma vez, mesmo com dor… Deixar ir. Abrir mão para abrir espaço. E demorarmo-nos na raiva, na zanga, na injustiça, e depois na tristeza. Tão importante a tristeza… Fazer o luto do que fomos e da versão que aceitou o que lhe fizeram acreditar que merecia. Mas com uma certeza: a de não aceitar ficar nesse lugar para sempre. Mesmo que as crenças internalizadas nos gritem o contrário ao ouvido: não o merecemos.

O merecimento. A forma como os outros nos vêem é, desde sempre, o espelho onde criamos aquilo que vemos em nós. E isso pode ir desde um “tu és suficiente” até ao “não prestas para nada”, passando eventualmente por um clássico “não há nada de errado em ti, mas…”. Esse “mas” acutilante que nos vai direitinho à alma e nos desfaz o sentido de ser, que é o prato favorito da incerteza e dissolve o amor próprio no questionamento e na culpa.

O sentido de merecimento é talvez a chave para qualquer tipo de amor – pelos outros e por nós. Mas talvez o maior ato de coragem da nossa vida esteja na capacidade em amar a si mesmo; ainda que isso envolva desapego, dor, e a necessidade de ressignificar aquilo que, em algum momento, nos pareceu ser verdade absoluta sobre nós. Depende de cada um de nós ter a autoconsciência para se dar conta, e a capacidade de assumir o controlo da nossa vida e dizer: “Basta. Agora, quem define o sentido – de mim, da vida, e do que mereço -, sou eu”. Porque somos. E como dizia alguém que nunca mais esqueci: Sentir-se amado, amar-se a si mesmo, amar o outro; a ordem será sempre esta.

– Liliana Marques

 

Se sentires que é o momento, há um lugar para ti!

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