Sentes que tens dificuldade em lidar com a culpa? Então este artigo é para ti!
A culpa não cumpre apenas o propósito de sofrer, mas é uma ferramenta evolutiva e social que ajuda a manter e reparar vínculos humanos.
Saber lidar com a culpa de forma construtiva é essencial para a construção de relações saudáveis.
No entanto, lidar com ela por vezes pode ser muito difícil.
Enfrentar esta emoção pode requerer que enfrentemos partes mais escuras de nós, que não gostamos que alguém veja e que nos faz conectar, involuntariamente, com sensações indesejadas – e por isso muitas vezes evitadas- como a vergonha, rejeição e ansiedade.
Como qualquer ser humano, somos seduzidos, regularmente, pela nossa zona de conforto, repudiando e evitando ao máximo o que nos leva a sair desta e entrar no desconhecido, onde estamos à mercê da nossa própria vulnerabilidade.
Desta forma, a primeira reação que pode surgir é reprimir ou negar esta emoção, pois implica reconhecermos falhas em nós mesmos e, potencialmente, enfrentar julgamentos. É difícil olharmos para dentro e apercebermo-nos que somos responsáveis por provocar sentimentos menos bons no outro, mesmo que, por vezes, inconscientemente.
Perante esta situação temos dois caminhos possíveis a seguir: reconhecermos os nossos atos e efetuarmos o trabalho interior necessário para fazer as reparações possíveis ou – e o mais comumente escolhido- reprimirmos essa culpa e negarmos a sua existência, tornando este um problema a longo prazo.
Muitas vezes pela ausência de recursos emocionais adequados, não lidamos da forma mais correta com sentimentos menos positivos, o que nos leva a reprimi-los. O que de início pode parecer uma forma rápida de alivio, tem consequências psicológicas, emocionais e relacionais negativas. Quando ignoramos ou escondemos o sentimento, ele permanece no inconsciente e pode ressurgir mais tarde com mais intensidade, manifestando-se através de ansiedade crónica, irritabilidade sem razão aparente e sintomas físicos como dores ou insónias.
Além disso, dificulta relações interpessoais, pois torna mais difícil assumir responsabilidades ou pedir desculpas. Esse desconforto interno pode ainda levar a comportamentos de fuga como negação, isolamento ou vícios, numa tentativa de evitar lidar com o sentimento.
Então, de que forma NÃO devemos lidar com culpa?
Estratégias ineficazes (ou disfuncionais):
Negar o erro, pois impede reconciliação e aprendizagem. Ao recusarmo-nos a admitir o que aconteceu, bloqueamos o processo de reconciliação e aprendizagem. Isso impede que haja responsabilização ou crescimento, e a culpa tende a retornar mais intensamente no futuro.
Transferir a culpa, pois diminui a responsabilidade e prejudica a relação. Colocar a culpa noutra pessoa ou nas circunstâncias alivia momentaneamente a dor, mas diminui a nossa responsabilidade pelas ações e consequências causadas. Isso prejudica a confiança e impede a oportunidade de repararmos os nossos erros.
Tentar justificar, pois pode soar falso ou insensível. Quando tentamos justificar o erro (“eu só fiz aquilo porque…”), pode soar como desculpa vazia ou falta de empatia, especialmente para quem foi prejudicado. Isso compromete o perdão e reconciliação.
Evitar a pessoa magoada, pois aumenta o distanciamento emocional. Ignorarmos ou afastarmo-nos da pessoa magoada aumenta o distanciamento emocional e envia a mensagem de que não queremos reparar o dano. A relação pode deteriorar-se ainda mais.
Autopunição excessiva, pois não repara o dano e pode se tornar em ruminação ou vergonha. Sentir que devemos sofrer como forma de compensar o erro pode parecer nobre, mas não repara o dano causado ao outro. Em vez disso, pode gerar ruminação, vergonha desproporcional e isolamento emocional.
No outro lado da esfera, a culpa, quando bem processada, serve como bússola moral – ajuda a reconhecer erros e melhorar relações. Além disso, a culpa atua como um mecanismo de autocontrolo, ajudando-nos a agir com mais ética e sensibilidade ao impacto que temos nos outros. Diferencia-se da vergonha por estar centrada em ações específicas (“fiz algo errado”) e não na identidade da pessoa (“sou uma má pessoa”).
Deste modo, formas saudáveis e construtivas e saudáveis de lidar com a culpa passam por uma fórmula simples:
“Refletir → Ouvir → Reparar → Crescer”
(Um ciclo emocionalmente inteligente e relacionalmente maduro)
Refletir e reconhecer. É importante fazer uma autorreflexão honesta sobre o que aconteceu. Perguntarmos a nós mesmos: “Por que fiz isso? Como o outro se sentiu?” pode ajudar a ganhar clareza sobre o assunto. Nestes momentos, procurar apoio emocional também pode ser fundamental.
Ouvir o outro e reconhecer a nossa responsabilidade. Através de uma escuta empática e genuína, validando o sofrimento causado. Um simples “Percebo que te magoei. Quero ouvir como isso te afetou” pode abrir espaço para o diálogo e a reparação.
Reparar e mudar o comportamento. Pedir desculpa de forma sincera e, acima de tudo, demonstrar através de ações que estamos comprometidos em não repetir o erro. Dizer “Lamento o que fiz. Não vai acontecer de novo e quero mostrar isso” tem mais impacto quando vem acompanhado de mudanças concretas.
Libertar-se e integrar o que foi aprendido. Após assumir e reparar, é hora de aceitarmos (ou não!) o perdão do outro, deixarmos de nos punir continuamente e seguirmos em frente com o que aprendemos. Pensar “Fiz o possível. Aprendi e quero ser melhor a partir disso” ajuda a encerrar o ciclo da culpa de forma construtiva.
Em suma, lidar com a culpa é um processo que envolve coragem, empatia e o compromisso para mudar. Reprimir a culpa pode parecer uma proteção, mas acaba por intensificar o sofrimento.
Lidar com ela – com autorreflexão, reparação e apoio – permite libertar esse peso e crescer com a experiência. No entanto, é importante lembrar que nem sempre o outro estará pronto – ou disposto – a perdoar. Nesses casos, o essencial é saber que fizemos o possível com honestidade e integridade.
O perdão do outro pode ajudar, mas a verdadeira libertação vem de aprendermos com o erro e seguirmos em frente com mais consciência e responsabilidade.
– Por Sofia Araújo
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