Já todos nós sabemos que o trabalho é uma parte integrante da vida de um adulto. Fazendo contas, um adulto, na realidade portuguesa, trabalha diariamente 35 a 40 horas semanais, o que corresponde a 7 a 8 horas diárias de trabalho. Este, proporciona às pessoas a satisfação de várias necessidades essenciais à sua vida, tais como a sua capacidade de prover a sua alimentação, a obtenção de qualidade de vida, o sentimento de integração na sociedade, entre outras necessidades a que o trabalho possa servir.
Ao longo do tempo, o significado do trabalho foi mudando e as suas condições foram evoluindo. Para além dos já mencionados aspetos positivos do trabalho, as suas consequentes adaptações e exigências vieram dar a conhecer o reverso da medalha.
E que reverso da medalha é esse?
Falamos dos efeitos negativos que o trabalho pode trazer para a nossa saúde, nomeadamente ao nível da saúde mental. Cada vez mais percebemos que o trabalho pode ser um forte motivo para a existência de desconforto mental, e que pode afetar a níveis graves o funcionamento na pessoa. A saúde mental é influenciada diretamente pelas diversas condições de trabalho, tais como o tipo de trabalho realizado, as condições salariais, os tipos de chefia/liderança, as condições físicas e materiais, entre outros. Tem também influências na vida pessoal e profissional da pessoa, nomeadamente no que respeita a sentimentos de mal-estar geral, o não ser produtivo, levar ao absentismo e abandono do trabalho, à desmotivação geral, a problemas de saúde física e problemas familiares, entre outros.
É também no trabalho que os vários problemas psicológicos, tais como as perturbações de ansiedade e/ou depressivas, podem ter origem ou até agravarem. Assim, é cada vez mais importante que os empregadores reconheçam o impacto que a vida profissional tem na saúde mental dos seus trabalhadores, com intuito de os apoiar na prevenção de problemas de saúde mental e, no fundo, na promoção do seu bem-estar.
Quais os problemas psicológicos que podem ter origem, ou agravarem, no trabalho?
Para além da depressão e ansiedade, de que muito se tem ouvido falar, o burnout tem sido um tema cada vez mais presente nas consultas de psicologia. As pessoas que se queixam desta síndrome apresentam sintomas de exaustão emocional (a energia emocional diminuída, que está desequilibrada em relação às exigências excessivas do trabalho), despersonalização (insensibilidade e cinismo na interação com pessoas em ambiente de trabalho, tais como clientes, colegas, entre outros) e baixa realização pessoal (baixa autoestima, eficácia, competência, confiança e segurança no trabalho que realiza).
O stress ocupacional, que é quando as exigências laborais excedem os recursos pessoais e emocionais da pessoa, prejudicando o seu bem-estar, quando presente de forma consistente na vida do trabalhador, é um importante sinal de que algo já não está bem.
Outros sinais ou disfunções podem surgir ou ser agravadas no decorrer da vida profissional. Vejamos, então, alguns desses sinais e/ou disfunções:
– O aumento do absentismo (quando o trabalhador falta sem aviso), do presentismo (o trabalhador está no local de trabalho, mas não tem produtividade, apesar dos esforços para que isso aconteça) e do turnover (saída e entrada de trabalhadores em número elevado e de forma regular para ocupar os mesmos postos de trabalho);
– A falta de pontualidade consistente;
– A diminuição da qualidade dos serviços prestados e na forma de como estes são prestados, que poderá levar a um aumento da negligência, e consequentemente a um aumento de acidentes de trabalho;
– O aumento de comportamentos como a uso de álcool e/ou drogas, e comportamentos de assédio, são também sinais/disfunções de que o ambiente de trabalho está a tornar-se prejudicial para o bem-estar e saúde mental da pessoa.
Como podemos promover uma melhor saúde mental no trabalho?
Existem várias formas de os empregadores serem mais ativos na prevenção de problemas de saúde mental e na promoção do bem-estar dos trabalhadores. Estas medidas, que se podem traduzir em programas, práticas ou serviços a implementar, derivam sempre do entendimento que as organizações fazem dessas necessidades. Vejamos algumas possíveis medidas:
– Acompanhamento psicológico facilitado/promovido pela organização. Este apoio pode surgir através de parcerias com clínicas ou profissionais independentes de psicologia;
– Promoção de atividades extralaborais. Mais uma vez, este apoio pode ser realizado através de parceria com diversas entidades que proporcionem estas possibilidades aos trabalhadores, tais como ginásios, teatros, cinemas, restaurantes, museus, entre outros.
– Promover melhores condições salarias, um justo reconhecimento profissional e a realização de contratos mais seguros para o trabalhador;
– Melhorar ou promover benefícios profissionais, tais como ter mais dias de férias, melhores prémios de produtividade, acesso a seguros mais abrangentes (que por exemplo cubram consultas de psicologia e psiquiatria), flexibilidade horária entre outros que se possam adequar às necessidades dos trabalhadores da organização em questão;
– Promoção de programas de formação e/ou dinâmicas de grupo orientadas para temas-chave, tais como reforço de relações entre colegas, prevenção e gestão de stress, sensibilização para a saúde mental e física, prevenção e gestão do assédio, gestão de conflitos, entre outros adequados à realidade de cada organização;
– Promover formação para as chefias em temas-chave, tais como liderança, gestão de equipas, sensibilização para a saúde mental e física dos trabalhadores entre outras;
– Promover a recolha regular de informações internas que contribuíam para a promoção da mudança interna da organização. Esta recolha de informação pode ser realizada através da avaliação da satisfação laboral, compromisso organizacional, entre outras dimensões possíveis de serem avaliadas. Pode ser também uma recolha de informação através de opiniões dos trabalhadores sobre determinadas situações que se estejam a passar na organização. Para além de o anonimato dever ser garantido, todas estas informações devem ser tratadas com respeito e sem julgamentos;
– Revisão da cultura, missão e valores da organização. O impacto desta revisão pode trazer alterações a várias dimensões no local de trabalho, como a melhoria de comunicação e do clima organizacional, a promoção de uma melhor cultura de feedback, entre outros.
Nos dias atuais, é importante que as empresas percebam que têm de acompanhar as mudanças que o mundo do trabalho está a ter. Se isto não acontece, os principais pagadores desta fatura são os trabalhadores. E claro está, que este impacto negativo na saúde mental e bem-estar dos trabalhadores transforma-se num círculo vicioso, sendo que mais tarde ou mais cedo são as próprias organizações a sentirem as consequências desse impacto.
Por Luís Cunha